Desorganizando o caos, quem sabe eu chegue na ordem
"It is what each of us seeks in life: a way to navigate through chaos without losing our center." Patti Smith
“È ciò che ciascuno di noi cerca nella propria vita: un modo di navigare nel caos senza perdere il centro.” — Patti Smith
Meus cúmplices e testemunhas, sem vocês eu não vou.
Estou prestes a iniciar o Camino Primitivo, uma das rotas mais antigas do Caminho de Santiago. A ideia de caminhar todos os dias, e ter isso como meu único objetivo, é apaziguadora. Tudo que me desviar dessa meta precisa ser amorosamente afastado. Caminhar como meditação ativa.
E eu aqui, pensando se melhoro meu pobre inglês para falar com outros peregrinos, se pratico mais meu intuitivo espanhol para conversar com os nativos, se aprendo o tailandês falado pelo meu companheiro para ativar memórias e neurônios, ou me aquieto e me comunico com o que sou, com minha linguagem de peixe.
A leitura que me acompanha
Estou lendo Canto jo i la muntanya balla, de Irene Solà — escrito em catalão. Um idioma que carrega ecos de espanhol, francês, português e de toda uma história entrelaçada, e lido em *português brasileiro (e aqui vai meu agradecimento às alunas-amigas portuguesas que me fizeram entender, definitivamente, que nossos “portugueses” são muitos). *Se quiser se deliciar nesse assunto: Latim em pó, de Caetano Galindo. Recomendo.
No livro de Irene Solà, a montanha dança com os mortos, com os fungos, com as águas. A natureza se expressa com mais clareza — como se pedisse que, enfim, escutássemos o óbvio: os seres não humanos também têm voz, personalidade, temperamento, desejos.
E a montanha dança também com as línguas.
“Quando se está só, não é preciso escrever versos em voz baixa.”
PAROLE — palavras que me encontram
Dente-de-leão — planta diurética
Em catalão: pixallits
Pixa = mija
Llits = cama
Ou seja: “mija-camas”
Uma palavra que soa como piada e erva ao mesmo tempo.
Anotar palavras virou também uma forma de caminhar.
RECEITAS PARA SE COMUNICAR EM RODA, EM AMIZADE E AMOR
Assim como os idiomas, as receitas se transformam, atravessam fronteiras e climas:
Habanera
(da região dos Pirineus catalães)
Cafè fort
Rom o licor
Espècies calentes (canyella, nou moscada, de vegades cacau)
Pell de taronja
Sucre o mel
Servit flamejat, en una cassola de fang — calent i dolç com una dansa.
Caffè alla Valdostana
(della Valle D’Aosta, Italia)
Caffè espresso
Grappa o genepì
Zucchero
Scorza di limone
A volte flambato. Servito nella tradizionale grolla, una coppa di legno con più beccucci — pensata per bere in cerchio, senza fretta.
Anche chiamata come Grolla dell’amicizia si chiama così perché, secondo la tradizione, chi voleva rompere un’amicizia o un legame semplicemente rifiutava di bere dalla grolla.
De repente, o que era só uma caminhada vira uma travessia linguística.
Uma arqueologia da escuta.
É isso que o Caminho me promete: um jeito de navegar o caos sem perder o centro — mesmo que o centro se mova.